quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Capitulo 17 - ''I'm Sorry''



-Who is he? –questionou-me, esboçando um sorriso inocente.

-Matias. It’s my favorite one.

-He looks cute and lovely. –elogiou, aproximando-se. Fez-lhe uma festa rápida e depois, fez-me uma a mim no braço que me fez arrepiar. –Oh baby... –olhou-me nos olhos. Devolvi-lhe um olhar ferido. Abraçou-me e beijou-me de seguida. Nisto fomos interrompidos pela porta a bater.

-Sim? –perguntei.

-O pai está a dizer que já é tarde, para irem comer qualquer coisa. –informou David. Na verdade eram já dez da noite.
Descemos à cozinha. Esta divisão era bem apetrechada e estava decorada de cores alegres que contrastavam com o meu estado de espírito, negro como a noite de breu.

-Shann, what do you want to eat? There are cereals, bread and as far as I can see, soup. –expliquei abrindo o frigorífico e observando o interior.

-I don’t know. What are you eating? –replicou.

-I’m not eating anything now. I’m not really hungry. –tudo o que menos me apetecia naquele momento era comer.

-No way! You have to! –ordenou.

-Shannon, I do not want. –repisei.

-Rita, that is not an attitude!

-I don’t care!

-At least cereals.

-Shannon, I…

-Rita! –interrompeu firmemente, decidido a fazer-me mudar de ideias.

-Fine! –cedi, suspirando.

Depois de terminada a refeição, Shannon encarregou-se da louça suja e fomos deitar-nos.
Estava zonza, estoirada, como se tivesse andado à luta e tivesse perdido. Doía-me a cabeça. Ainda permaneci cerca de uma hora às voltas mas lá acabei por adormecer.

O corpo seria-nos entregue na manhã seguinte, sendo o funeral ao fim da mesma, por decisão de David que foi quem tratou de tudo. Deste modo ficaria tudo resolvido mais depressa, o que facilitaria as coisas.

-Rita, Rita? It’s time to wake up. –senti um toque delicado no braço. Virei-me para o outro lado e tapei a cabeça com a almofada branca. Shannon, que me havia trazido o pequeno-almoço que estava poisado na mesa-de-cabeceira (e que eu ainda nem tinha visto), revirou os olhos e insistiu rindo. –Nope, that is not working.

-No, go away, let me sleep! –praguejei ensonada e atirando a fronha que o atingiu mesmo na cara. Em tom de contra-ataque destapou-me por completo, deixando-me a espernear. –Shannon!

-Rita, come on! Do you really want the hard way? –ameaçou. Acenei afirmativamente, mudando de posição. Feita a minha escolha, ele não teve alternativa a atacar-me com cócegas até me deixar sem ar.

-Ok, ok, you won! –cedi por fim, sentando-me a recuperar o fôlego.

-Breakfast! –anunciou, pousando-me o tabuleiro no colo. –I cooked it!

-You what? –detive a torrada que estava quase a levar à boca, zombando.

-Shut up, you won’t die because of it! –gracejou. Pousei o pão de imediato e mirei a parede. –Oh, I didn’t mean to say that, I... I’m sorry, I’m such na idiot! –procurou o meu olhar, apercebendo-se do que tinha dito sem querer. Engoli o café de uma só vez.

-It’s ok, don’t worry. It’s not your fault but death is a motherfucking bitch!

-It is!

-Posso? –bateu David à porta, entrando lentamente.

-Sim, diz. –assenti.

-Olha, o pai vai agora e eu vou com ele. Vocês vão lá ter depois?

-Ainda tenho de me arranjar. –suspirei. –A que horas é a missa?

-Às dez e meia.

-Ok, nós vamos lá ter.

-Até já! –saiu. Assemelhava-se a um autêntico corvo. De preto do casaco às sapatilhas, com o cabelo encaracolado que lhe cobria as orelhas.

-We have to be there at half-past ten. Damn it, I hate these religious things. To be honest I don’t even believe them. –resmunguei mirando o guarda-roupa.

-I know you don’t but you father does, so...

-Yeah, I know. –peguei numas calças de ganga azul-escuro forte, numa camisola preta e pousei-as sobre a cama por fazer. Terminei a torrada sem vontade alguma e fui tomar um duche rápido.

Partimos os dois para a igreja, calados, de mão dada. Não me apetecia falar, pensar, ver ninguém.
Quando entrámos, o templo estava já quase completo. Avançámos lentamente até à fila da frente, perante os olhares atentos de pena e tristeza que nos lançavam os presentes. Os nossos passos ecoavam gravemente, contrastando com os murmúrios e lamúrias que se ouviam.
Ali estava a urna coberta de flores e arranjos, mesmo à minha frente, fechada. Tinha vontade de abri-la mas tal não era possível.
Os vidros altos e estreitos chegava-nos alguma luz natural, mas pouca, que batia nas paredes escurecidas pelo tempo e que ninguém mandava recuperar. Respirava-se um ar tépido e húmido e sentia-se o odor das velas amareladas que eram consumidas pelas chamas minúsculas.

-Rita?

-Mafalda? –levantei-me e abracei a rapariga que me chamara, comovida. Uma amiga de infância.

-Quando me contaram nem queria acreditar! Coitadinha da tua mãe, parece mentira!

-Antes fosse... –opinei. Afastou-se na direção do meu irmão.

-Oh Rita, se precisares de alguma já sabes, sim? –disse-me Margarida que se encontrava mais atrás de Mafalda. Abraçou-me também.

-Eu sei, obrigada. –agradeci, acenando. Mais pessoas vieram à nossa beira até ao começo da cerimónia. Desde amigos a vizinhos e a gente nunca esperaria que fosse. Algumas surpresas agradáveis, devo dizer. Outras que preferia que não tivessem aparecido. Enfim, outras histórias que nem vale a pena contar.

A missa não demorou muito tempo. Foi feito o discurso habitual. No final as pessoas começaram a deslocar-se para o exterior onde aguardariam pela passagem do caixão e depois tomariam os seus carros rumo ao cemitério que ainda ficava longe.
Lá dentro ficámos apenas nós os quatro. O meu pai e o David levantaram-se e aproximaram-se da urna, olhando-a estáticos. Mantive-me imóvel, junto a Shannon.

-Don’t you want to go there?

-No. It feels like if I stay here she won’t go away… -devolvi serena, de braços cruzados e olhar fixo no degrau do altar.

-Podemos? –pediu um funcionário da agência funerária que se encontrava junto dos colegas, prontos para transportar a minha mãe.

-Não, um minuto, por favor! –contrariei. Pus-me de pé. Mirei o caixão algum tempo e saí apressadamente com o baterista que correu para mim e me abraçou, já na rua.
A urna não demorou a aparecer, pesarosa e numa saída dramática. Virei a cara contra o ombro do meu namorado e tapei a boca, sofrendo em silêncio.

-“Shuu”, It’s ok, I’m right here. –sossegou o músico também emocionado. Conteve-se por mim.

Seguimos para aquela que seria a última morada da minha progenitora na carrinha funerária, juntamente com o meu pai e irmão.
Durante aqueles longos minutos senti-me estranha, sem força para nada. Parecia que o meu corpo pesava toneladas. Queria fechar os olhos e só acordar passado bastante tempo, quando o que estava a viver fosse só uma memória distante que já não custasse, que já não doesse como uma ferida aberta que me consumia o corpo e devorava a alma.
As curvas pareciam mais apertadas, os solavancos normais mais agressivos e o caminho mais longo. Deitei a cabeça no ombro de Shannon de deixei-me ficar. Afagou-me o cabelo delicadamente.
Chegados ao destino, o veículo estacionou sobre o pavimento alcatroado. Na nossa frente estavam dispostos dois cedros antigos, ladeando o portão de ferro pintado, alto e severo que encerrava assim os muros caiados. Havia ainda canteiros de flores pequenas e frágeis, ali despejadas à mercê dos ventos inconstantes.
Num suspiro profundo saí, tendo sido seguida pelos demais.
Sentia uma brisa na cara. Detive-me junto à entrada, muito direita e quieta e de olhar vazio, a aguardar a tumba.
Tinha decidido manter-me serena, calma e silenciosa por respeito ao meu pai mas estava a ser insuportável. As pessoas passavam por mim, trajadas de luto para aquele que seria o último “adeus” à minha mãe. Estes pensamentos invadiram-me e senti-me prestes a vacilar. Aí apertei a mão do “Leto mais velho” com tanta força quanta tinha. É provável que o tenha magoado mas não disse nada. Com a outra mão agarrei fortemente o triad necklace que trazia ao pescoço numa tentativa de me acalmar mas sem efeito.

-It’s the end, here today. It’s her end… -murmurei ao Americano quando a “caixa” passou por nós.

-It’s not. It’s the end of one journey but the beginning of a new one. From now on, she’ll live deep in your heart and it’s your mission to keep her alive! –discursou ele pausadamente. –Come on! –entrámos pesadamente, juntando-nos assim ao círculo de gente recém-formado junto da cova aberta.
O padre começou a proferir então a dissertação final. Senti um terrível nó na garganta que não me deixava engolir e o estômago às voltas.
Abracei-me a David de olhos fechados quando começaram a descer o caixão até às profundezas do mundo.
Os presentes acabaram por abandonar o local, num clima de angústia, de perda, de lástima.
O meu pai, de olhos inchados pelo choro, aproximou-se e despediu-se, dizendo algo que não fui capaz de descodificar. Saiu perturbado. Agarrei-me a Shannon para que o meu irmão se pudesse despedir igualmente.
Quando chegou a minha vez, ajoelhei-me e tirei da mala a carteira, abrindo-a na zona das fotografias. Sentia as lágrimas a correrem sem parar.

-Oh mãe... quem me dera ter-te dito tanta coisa que não disse. Desculpa por ter sido tantas vezes uma completa idiota contigo, por te ter dito coisas que não devia e que não sentia! Desculpa por tudo! Quem me dera voltar atrás e mudar as coisas! Vais fazer-me tanta, tanta falta! –parei e comecei a soluçar enquanto observava uma fotografia minha de bebé, com um sorriso inocente de criança feliz na companhia dos pais. –Costumavas dizer que eu era o teu bebé e que por ti nunca te separavas de mim... Já não sou um bebé mas também não me queria separar de ti! Não assim! –dito isto, tirei a fotografia, apertei-a contra o peito e ergui-me. Já de pé, dei-lhe um beijo longo lancei-a para cima de uma rosa que David havia atirado anteriormente. –Adeus mãe! –posto isto, os funcionários começaram a cobrir tudo de terra. Abandonei o local desfeita em mil pedaços como um copo frágil que embate no mosaico gelado e se desfaz em bocadinhos.
Regressámos a casa num ambiente pesado e triste. Lá parecia que até as paredes e os móveis sabiam que a minha mãe havia partido... para não mais voltar!

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